Conto: A menina E o Lenhador

Olá a todo, Danilo de volta, pra postar um conto que eu escrevi entre meus devaneios e sonhos. Sem mais, vamos ao dito cujo:

PS: Ao longo do texto eu vou indicar em verde umas dicas de trilha sonora, pra criar um clima.

https://www.youtube.com/watch?v=EQoVrFe1GZ8 )

A Menina e o Lenhador

As noites frias e escuras possuem sempre um ar misterioso. Certamente não, caso você esteja perfeitamente aninhado em uma poltrona confortável com familiares e amigos em torno de uma lareira quente. Porém, o mesmo não acontece quando o céu estrelado é o seu teto. Quando a lua é a sua única luz. E quando o vento corre gélido como as facas do assassino cruel.

A Pequena Emmy caminhava descalça no chão de terra fofa do entrono de seu vilarejo. A garota não devia ter mais de oito anos. E seu vestido outrora perfeitamente branco, agora estava manchado graças às cinzas da madeira que alimentava a forja de seu pai. Ela costumava pegar madeira sempre, normalmente era o que seu pai mandava aos gritos, mas ela nunca saíra à noite antes. Seu pai, porém, não se importava nem um pouco com a pequena criança, era uma noite fria e a lareira não podia apagar.

A garota já andava há um tempo, e aos poucos se aproximava da floresta. Ela parou em frente às primeiras longas arvores coníferas. As pessoas da vila comumente viviam dessa floresta. Seja da colheita de frutas, sementes e raízes, da caça, pesca ou ainda da coleta de lenha. Porém, todos sabiam que não se devia entrar na floresta após o crepúsculo, ninguém sabia o porquê, ou talvez apenas nunca falassem, mas essa era a regra que ninguém desobedecia. Até seu pai lhe alertara “Menina tola, não adentre na floresta, ou de lá não voltará.”

O ar caliginoso do interior da floresta causaria arrepios nas mais firmes almas, e mesmo os mais fervorosos cristãos se negariam a adentrar tamanha escuridão. A luz da lua criava retorcidas sombras, e juntas com o vento uivante e a solidão do lugar, era a perfeita lenha para alimentar a chama bruxuleante da loucura e dos devaneios. A menina, porém, não se abalava. O seu olhar inocente e infantil, de alguém que passou a vida dentro daquela floresta, não conseguia imaginar que perigos hostis poderiam existir ali no escuro, uma vez que não estavam lá durante a claridade do dia. Mas essas são torpes justificativas para tamanho ato desmedido, ninguém entraria naquele domínio, se a isso não fosse instigado. Emmy olhava para a floresta, e a floresta lhe olhava de volta, como se a chamasse, como se aquele lugar, fosse magico e inexplorado. A garota ergueu a lanterna que carregava, e girando a válvula, aumentou sua chama. Com passos firmes e cuidadosos, a garota adentrou as trevas, com o devido cuidado para não pisar em nada que pudesse machucar seus pés descalços.

O interior da floresta clareado por sua lanterna lembrava um mar, onde a luz ao seu redor era a única bolha de proteção, contra o mar de escuridão ao seu derredor. Quanto mais ela mergulhava naquele imenso breu, mais deixava para trás o silencio noturno da vila, e mais percebia que aquela antiga floresta era repleta de vida. A pobre garota estava descalça, e foi surpreendida por uma dor de picada, em seu pé. A garota deixou escapar um gritinho, e soltou a lanterna para tirar de seu pé o espinho em que pisara. Pisar em espinhos é comum para quem anda dentre as arvores, mas a pequena Emmy nunca vira um cipó com cardos de cor tão rubra como aquele. Logo viu que não foi nada, e agora mais atenta, seguiu em frente. Seus olhos curiosos observavam todos os lugares em busca dos emissores daqueles pequenos barulhos. O coaxar de sapos, o cricrilar de grilos, mas também sons mais estranhos. A garota seguia os sons, rastreando como um lobo, seus olhos encantados procuravam igual a besta em sua caça. E aos poucos, ela andava por uma trilha, pontilhada de cogumelos luminosos. E ao longo do caminho, seus pequenos anfitriões. O som das criaturinhas era certamente inominável, soando como uma opera, uma graça gregoriana, em perfeita sincronia o lindo coro soava, a musica angelical parecia anunciar a garota, como se fosse uma convidada de honra. Os pequenos não eram maiores do que uma colher de pau. Usavam vestidos vermelhos que lhes cobria até o calcanhar, mas sem mangas. Sua cabeça, porém não era de gente, tinham grandes faces de sapo, coaxando e coaxando uma melodia angelical.

Aquilo tudo parecia tão atrativo aos olhos inocentes da garota, e ela passava sorrindo e observando tudo, girava e dançava de olhos fechados, inebriada por aquela musica hipnótica. Até que quando ela menos percebeu, os Pequeninos ficaram para trás na trilha, e ela seguiu. Andando sozinha por mais uns minutos, passou a catar gravetos no chão, enquanto continuava na trilha, continuava também seu trabalho. Pouco a pouco seus pequenos bracinhos estavam sobrecarregados com aquela pilha enorme de madeira. Satisfeita, com o sentimento de dever comprido, seguiu.

Antes que tomasse um rumo, escutou mais uma vez um estranho barulho. Novamente atenta ao som, com um olhar curioso, seguiu o som mais uma vez, chegando cada vez mais perto. Toc...Toc... Algo golpeava ferozmente a madeira, Emmy ficava apenas mais curiosa. Depois de andar um bocado, se deparou com uma enorme forma, aproximando a sua lanterna da enorme silhueta, pode ver o estranho lenhador. Ele tinha a altura de uma das arvores, muito maior que qualquer um que a garota já vira. Seu corpo esguio e sem pelos, estava desnudo, exceto por peles de urso que lhe envolviam os quadris, não chegando aos joelhos. A luz não alcançava a sua face. Nas suas costas, um enorme balaio de palha trançada, preso ao corpo por tiras de couro, carregava alguns troncos inteiros. Nas suas mãos fortes, um grande machado velho e desgastado atacava voraz o tronco de uma arvore enorme, que em poucos golpes veio a baixo. Metade da arvore caiu no chão, e lá ficou, a metade presa ao chão, foi arrancada brutalmente pelo lenhador, que a colocou no balaio com as outras. A garota, por um momento, parou inerte. Não chegava a estar com medo, mas se sentia estranha, seu olhar curioso aos poucos sedia ao seu extinto, como se algo fosse acontecer. Será que aquele lugar era mesmo magico e belo? O lenhador ficou parado por uns instantes, até que começasse a tomar seu rumo, saindo aos poucos, do alcance da luz. A garota, porém não o seguiu, e por um momento todo som sessou, ela estava novamente sozinha, mais dessa vez era diferente. O silencio penetrava seus ouvidos como facas frias e maquiavélicas, não existia mais encanto naquele lugar, ela estava perdida, no meio do nada.

https://www.youtube.com/watch?v=YyknBTm_YyM )

Então duas luzes acenderam-se, pequeninas no escuro. Piscavam e mexiam, como olhos. “será o lenhador?” Pensou Emmy. Foi quando aquele enorme rosto aproximou-se de surpresa, fazendo a garota recuar assustada soltando sua lanterna e toda a sua lenha. A cabeça do lenhador era do tamanho da pequena inteira. Sob seu rosto, porém, existia a face de um coelho, aparentemente costurada onde devia estar a sua própria. Seus grandes olhos rubros olhavam estáticos para frente, e seu nariz, inquieto, farejava Emmy a todo instante.

Emmy correu, correu o mais rápido que pode. Estranhas esferas de luz, pequeninas, passaram a clarear ao tudo ao seu redor, e de repente, existiam pessoas na floresta. Apavorada, enquanto passava veloz entre as arvores, pessoas transitavam, para lá e para cá, carregando lenha, andando com seus filhos, vivendo suas vida. Todas porem, tinham em lugar de seu rosto a face de um animal. Cobras, servos e coelhos olhavam a menina correndo apavorada, como se uma forasteira invadindo suas casas. Emmy parou, a centímetros de esbarrar num grande homem gordo, trajando vestes de açougueiro ensanguentado, seu rosto era de uma ave estranha, como um peru. Em uma de suas mãos carregava um casal de crianças desmaiadas, na outra um cutelo. Ela levou às pequenas mãos a boca, evitando um grito, e voltou a correr.

Emmy corria apavorada, não andou muito até esbarrar em um outro: Magro, alto, e debruçado sob um caldeirão, olhou com seu rosto de sapo para garota, praguejou e voltou a cozinhar, a garota correu mais ainda, ainda olhando para trás sobre o ombro e vendo pernas e braços boiando na água fétida do caldeirão. Emmy chorava, chorava como nunca, chorava enquanto corria, e só conseguia desejar que fosse um pesadelo. Seu caminho entre as arvores parecia cada vez mais denso, e à medida que a floresta tornava-se serrada, aumentava a angustia em seu peito.

A garota afastava os arbustos a sua frente com as mãos, e quanto mais entrava no mato, menos pessoas se via, até que ela estava sozinha no escuro. Então correndo através de um arbusto, saiu em uma clareira esbarrando em alguém. A pessoa a abraçou, como quem acalenta uma criança chorosa. Ela assustada, olhou para cima procurando seu roto, ele levantou o indicador sob os lábios em sinal de silêncio, e então abriu os braços dando passos para traz. O homem vestia roupas pomposas, como um nobre, todas na cor vermelha. Sua mão esquerda segurava uma elegante bengala de cedro, com um lobo em ouro, esculpida na ponta. Sua cartola, garbosa, possuía dois buracos por onde passavam orelhas de coelho. O homem com rosto de lebre, olhou para garota inexpressivo, de braços abertos como se apresentasse algo. Apenas a luz da lua os iluminava. O estranho pierrô saltou como um palhaço ao redor da garota, gesticulando e soltando leves risadas finas, embora não parecessem sair de sua boca. A garota aos poucos se acalmou, seguindo o seu anfitrião com os olhos, novamente curiosa. O nobre coelho então parou na sua frente, fez um sinal para que o seguisse, e deu as costas, andando até um toco de arvore. Ammy, mais uma vez encantada, sentiu-se estranhamente segura em sua presença. Pós um sorriso no rosto, enxugou as lagrimas, e o seguiu.

Sob o toco, o coelho lhe apesentou uma maçã. Vermelha, bela, lustrosa e grande, era a maça mais apetitosa que a garota já vira. A garota olhou para o coelho encantada, e ele, com a cabeça, fez sinal para que ela pegasse a maçã. A garota tomou, tímida, a maçã em suas mãos. Observou bem o belo fruto, e lhe aplicou uma mordida singela. O gosto era bom, inebriante, mais era mais do que isso. Emmy sentiu a melhor sensação de sua vida, a sensação de acolhimento, de felicidade, a sensação de que estava em casa. Emmy mais uma vez pode escutar o canto dos pequeninos, ela estava feliz de novo.

...

No outro dia, os moradores da cidade encontraram a pequena Emmy caída, morta na floresta. Parece que ela se feriu em um cipó venenoso...

Mais antes, enquanto vasculhavam a floresta a procura da garota, encontraram alguns intens. Curiosos, como um machado e uma bengala muito velhos, um caldeirão enferrujado que não devia ser usado a muito tempo, e o mais curioso: um amontoado de desgastados vestidinhos vermelhos, e entre eles, um vestido branco, manchado de cinzas de madeira.



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