A Bruxa Que Roubava Olhos



Depois do conto "A Menina e o Lenhador" , eu resolvi escrever outros contos se passando no mesmo mundo. Os contos não se conectam, mas giram entorno da mesma ideia. Então esse conjunto de contos vse chamar: "O Solepista". espero que gostem do segundo conto de O solepista:

A Bruxa Que Roubava Olhos. 

Kahn era um guerreiro da família Malavah. Seu povo vivia numa terra fértil, abençoada pelos deuses. A montanha lhes provia moradia, abrigo do frio e da chuva. Descendo para as planícies baixas, existia um rio, de onde podiam tirar peixes e agua para beber. Para lá do rio, existia uma floresta vasta, de varias arvores frondosas, ricas em animais e frutas que podiam alimentar a todos.

Kahn estava sentado próximo à fogueira, ele esperava os seus irmãos que haviam ido caçar, e voltariam com carne fresca para ser assada e comida. Ele passava o seu tempo riscando o chão, com um pedaço de madeira queimada, riscando traços e formas aleatórias. Ao longe, seu pai observava o horizonte atento, o velho patriarca parecia pensativo.

De repente gritos foram ouvidos ao longe, na parte baixa do monte. Todos se alvoroçaram, e correram para ver o que ocorria. Kahn porém, conhecia aquela voz, era a voz de seu irmão. No pé da montanha, Malaváh, irmão de Kahn, filho de Kalvahá, estava prostrado de joelhos. Suas mãos estavam totalmente ensanguentadas, e seus olhos vertiam lagrimas rubras. Kahn rapidamente chegou ao irmão, e tentando acalma-lo perguntou o que houve. Seu irmão respondeu aos prantos:

- Kahn, meu irmão, foi horrível! Eu estava caçando com Kavahin, nosso irmão, e não encontramos caça, ou pesca, ou frutas para comer. Entramos mais na mata, e quando começou a ficar tarde, chamei nosso irmão para voltar. Kavahin, porém, estava enfeitiçado, e queria entrar cada vez mais na floresta, antes que pudéssemos nos dar conta, estávamos para lá do grande carvalho, na floresta dos estranhos.

Ao escutar isso, todos pararam aterrorizados. Os olhos atentos de todos da tribo fintavam incrédulos o jovem filho de Kalvahá. O próprio patriarca estava boquiaberto, e logo se pronunciou:

- Pelo qual foste tão tolo? O filho meu? Muito já lhes foi dito, a todos, para não entrarem na floresta dos estranhos, para que estes não vos molestassem. Pois agora recebeste por tua imprudência, e que todos saibam que esse é o destino de quem se aproxima da floresta dos estranhos.

Todos escutavam com atenção.

- Agora vão, levinho para dentro, lavem o sangue, alimentem-no e lhe façam curativos.

E assim foi, e todos levaram ele para a caverna, e lhe lavaram o sangue das mãos, e lhe fizeram curativos nos olhos, e lhe deram frutas para comer, e ele dormiu. Kahn porem estava muito inquieto, se perguntando sobre o que fizera aquilo ao sei irmão. A muito ouvia sobre a floresta dos antigos, porém não imaginava que nada do que escutava fosse verdadeiro, até agora.

A noite, quando todos dormiam, Kahn foi até o seu irmão, e lhe pediu detalhes sobre o que aconteceu. Seu irmão, com dificuldade, lhe explicou o que houve:

- Eu e nosso irmão, estávamos na floresta dos antigos, como eu já lhe falei. Foi tudo muito rápido, algo surgiu do mato e puxou Kavahin para lá, e eu pude apenas escutar seus gritos. Em seguida, eu senti um forte golpe na cabeça, e cai no chão de tanta dor. Antes de desmaiar, ainda vi uma senhora muito velha vestida de preto, e com longos chifres de bode. A bruxa horrenda causava reviro no estomago, exceto pelos seus olhos, um verde e um azul, brilhantes e profundos como o céu e o mar. Foi a ultima coisa que eu vi. Quando acordei, eu estava cego, e desesperado, apenas corri, até vocês me encontrarem.

Kahn escutava com atenção, e à medida que a historia seguia, um ódio profundo surgia em seu peito. Aquela velha roubara os olhos de seu irmão, e a vida de outro irmão. Kahn levantou, deu as costas ao seu irmão, tomou sua lança, e caminhou para fora da caverna, porém, foi interrompido.

- Irmão... Para onde vai?

- Descanse irmão. Amanhã terá seus olhos de volta.         

Kahn saiu correndo, com a lança de pedra em punho. Saltava animalesco entre as pedras, descendo a montanha com uma fúria sanguinária no peito. Logo chegou ao rio, saltando de pedra em pedra, em pouco tempo estava do outro lado, correndo rumo à floresta. A luz da lua crescente era a única coisa que iluminava o local. Em pouco tempo Kahn estava correndo entre grandes arvores, saltando dentre moitas, e evitando obstáculos, então de forma brusca ele parou. A sua frente, cavada no chão, uma estaca de madeira sustentava um crânio humano. Ninguém sabe o que colocou aquilo ali, porém sabia-se que aquele era um aviso. Um avido que que ali acabava o território dos homens, e começava o dos estranhos.

O primeiro passo foi lento, cauteloso e desconfiado. Porém,  Kahn deu um segundo passo motivado e firme, e logo estava correndo novamente, tomado por uma cólera infernal. Ele gritava, gritava e bramia em todas as direções.

- Velha com chifres! Apareça! Apareça e me enfrente, velha amaldiçoada!

Não havia resposta. Quanto mais ele adentrava naquele lugar, mais mortal tornava-se o silencio, e mais profunda a escuridão. Não demorou muito para Kahn cansar-se. Sua raiva deu lugar à exaustão. E agora ele sentia-se inquieto. “Agi como um tolo” pensou Kahn “Não devia ter vindo aqui sozinho” continuou. Khan achou que se fosse cuidadoso, não acordaria os estranhos, pois deveriam estar dormindo. Porém, pelo tanto que já tinha gritado, era impossível não sentir medo.

Sem saber para onde ia, Kahn continuava andando, totalmente perdido. Depois de muito andar, sem enxergar quase nada, achou uma porta em meio a escuridão. Adentrou com cautela na cabaninha, e logo viu  que era muito pequena. Apenas possuía uma cama de palha no chão, e mais nada. “perfeito!” Ele pensou. Sem cerimonia, entrou, e deitou. Nas paredes, porem, várias pinturas perturbava Kahn. As paredes estavam repletas de quadrados de madeira, e dentro de cada um, existia uma pintura. Estavam pintadas varias cabeças, de cavalos, porcos, sapos, e toda sorte de animal. Todos olhavam estáticos para Kahn, como se buscassem o interior da sua alma. Kahn, mesmo perturbado, fechou os olhos, e tentou dormir.

No meio da noite, Khan acordou com o som forte de pancada vindo de fora da cabana. Rapidamente saltou da cama, e saiu para averiguar. Lá fora, nada encontrou, exceto mato. A lua agora estava alta, e tudo estava mais claro. Khan então retornava à cabana, quando repentinamente parou, estupefato. Suas pernas tremiam, seu sangue gelou. A cabana não possuía pinturas em suas paredes. Os quadrados de madeira eram janelas.

Khan escutou então um alto som de corvo. E rapidamente começou a olhar ao redor, assustado. Correu para dentro da cabana para procurando a lança que, porém, não estava lá. Khan se desesperou, logo começou a escutar passos ao redor da casa, jogou-se no chão a fim de não ser visto através das janelas.

Os passos aproximavam-se, e de uma das janelas Kahn pode ver alguém passando de relance, o que fez seu sangue gelar mais ainda. A cabeça que viu, não era de gente, mas era de bicho. Os passos intensificavam-se em torno da cabana e logo, um colocou a cabeça pela janela. Khan se espremeu na parede, fora do campo de visão da janela. O homem com uma enorme cabeça de corvo, fintava como quem procura uma presa.

No canto da sala, Khan viu um alçapão, aquela parecia a única saída, Kahn, com cautela, e morrendo de medo, abriu o alçapão, e sem que percebessem, entrou. O túnel era curto e logo deu em uma caverna, toda iluminada pro azuis cogumelos brilhantes que saiam das paredes. Kahn, engatinhou amedrontado, suas pernas tremiam demais e ele não podia se por de pé. O lugar todo fedia, e tinha um pesado ar pútrido. Logo a caverna fazia uma curva, e luz vinha de lá. Khan se pós atrás da parede, e apenas com a cabeça de fora, observou.

Lá dentro, um homem em pé observava como um sentinela, no lugar de seu rosto, um rosto de gato, preto, e de olhar estático. Seu corpo era coberto de pelos negros. Possuía uma cauda, e na cabeça pequenos chifres de boi. No seu peito, aparentemente costurado, havia um rosto humano, com um olhar aterrorizado, chorando e vertendo lagrimas que pareciam não findar.

Khan estava aterrorizado por tamanha atrocidade, mas aquele ser não estava só. Ao seu lado, uma senhora muito velha, mexia em cadáveres humanos. A velha medonha tinha quase quatro metros de altura, suas costas curvadas se debruçavam sobe a mesa de pedra, e de sua cabeça, saiam dois grandes e espirais chifres de bode. Ao seu redor, nas paredes, existia várias garrafas de barro. Também vasilhas e mais vasilhas de barro guardavam olhos, muitos olhos, de todas as cores e tamanhos.

Khan tremia, tremia e chorava. Ele sentia que não ia sair dali vivo, sabia que os olhos de seu irmão estavam ali, mas também sabia que nunca devia ter entrado naquele solo amaldiçoado. Foi então que, num movimento súbito, o homem com cabeça de gato olhou para Kahn, e a cabeça em seu peito passou a liberar gritos e gemidos de dor. A bruxa virou-se bruscamente, seus olhos tinham cores diferentes, um castanho e um vermelho. Agora, ambos fintados em Khan. A bruxa com um olhar colérico, correu até Khan com uma velocidade sobrenatural, antes que ele pudesse levantar, ela já o levantava, segurando com suas mãos velhas e enrugadas em torno do pescoço do jovem rapaz.            

Khan ficava sem ar, cada vez mais seu corpo enfraquecia, aquele parecia ser o fim, ele só conseguia chorar. Enquanto seu corpo esmaecia porém, ele juntou as ultimas forças que tinha, e com os dedos, atacou os olhos da bruxa. Ela o largou instantaneamente, levando as mãos aos olhos, gritando de dor. Khan, cambaleante, correu até as prateleiras, e começou a derrubar garrafas e vasilhas que quebrava, espalhando os seus liquidos, procurando os olhos de seu irmão. O homem gato nada fazia, a não ser olhar e lançar gritos horrendos. Finalmente, aqueles dois olhos verdes pareciam os do seu irmão, pelo estado em que estavam, pareciam os mais frescos, ainda com sague. Porém, antes que pudesse pega-los, a bruxa já recuperada, e ainda mais irada, derrubou o rapaz. Ele, sem forças para reagir, tentava em vão escapar, quando então a bruxa posicionou os polegares cada um num dos olhos do rapaz. Antes que ele pudesse alcançar os braços da velha, ela empurrou os dedos, enfiando os dois nos olhos do jovem. Khan gritou de dor, agonizando enquanto as unhas negras da bruxa entravam em sua carne e vertiam seu sangue. Num ato de desespero, Khan tateou até alcançar uma grande pedra, que tentou arremessar na bruxa. A pedra passou direto sem atingi-la, porém, ao chocar-se com o chão, a pedra gerou uma faísca, que rapidamente incendiou os líquidos no chão. A bruxa logo levantou-se e se afastou violentamente do fogo, gritando e praguejando em línguas a muito esquecidas.

Khan, ainda atordoado, levantou-se aos tropeços, pegando os olhos de seu irmão, que estavam na ponta da prateleira onde ele deixara. E assim ele correu, correu, e correu. Mesmo tropeçando e caindo, ele logo levantava, protegendo os olhos de seu irmão com uma das mãos e tateando com a outra. Depois de muito correr, sentiu o sol em sua pele, devia estar fora da caverna. Exausto, Khan caiu de joelhos, e logo se deitou. Não importava para ele perder seus olhos, ele tinha conseguido. Logo Khan dormiu.

...

Logo os membros da tribo encontraram Kahn as margens do rio, perto de uma caverna. Seus olhos estavam furados, e em sua mão direita ele carregava um par de olhos. Vendo aquilo, Kalvahá percebeu o que havia acontecido, e logo chamou Hatamane, a curandeira das colinas. A velha curandeira conseguiu colocar os olhos de Malaváh, quem em alguns dias já podia enxergar. Khan, porém, nunca mais enxergou na vida. E passou o resto dos seus dias, até a velhice, sentado em frente à caverna fintando as longínquas arvores no horizonte, como que se pudesse ver, e a todo custo, procurasse vigiar aquela floresta.                 

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